sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Amicability Eternus


    - Vamos logo, antes que alguém pega a gente!
    Juliana estava escondida atrás de uma árvore, a poucos metros do rio. A conversa dos dois rapazes chegava como um sussurro aos ouvidos dela. A garoa fina que caía naquela noite começava a encharcar sua camiseta, fazendo com que seus dentes começassem a bater de tanto frio.
    - Cala a boca e me ajude a carregar.
    As lágrimas escorriam pelo seu rosto, e o pânico tomava conta de Juliana. Tremia muito, mas não conseguia distinguir se era medo ou frio. Talvez os dois.
    "Não pode ser o Daniel" ela repetia para si mesma. Mas afinal, quem ela tentava enganar? Sim, aquele corpo ensanguentado era dele, não haviam dúvidas. Juliana podia reconhecer o seu melhor amigo até de olhos fechados. Quando uma pequena faixa de luz que penetrava naquela floresta densa refletiu no medalhão próximo ao coração do garoto - o mesmo que ela carregava em seu pescoço – realmente não haviam mais sombra de dúvida; era mesmo ele.
    Dois rapazes arrastavam o corpo do amigo para perto do rio, com o objetivo de se desfazer dele, aproveitando a correnteza forte, que levaria o corpo para longe em poucos instantes. Ela podia sentir seu coração batendo forte como se estivesse dentro de sua cabeça. Cada vez mais alto e rápido. Quando os rapazes jogaram o cadáver, um calafrio sacudiu seu corpo, e um nó na garganta quase fez com que gritasse. Mas antes que ela pudesse pensar, sentiu algo subindo na sua perna, o que fez com que ela se movesse para ver o que estava acontecendo. Tropeçou na raiz da árvore na qual se escondia, fazendo-a cair sobre as folhas secas.
    - Ai - disse ela, logo levando as mãos à boca para que os rapazes não pudessem ouvi-la. Mas era tarde demais, o barulho das folhas secas já tinha feito o trabalho de chamar a atenção deles.
    - Quem tá aí? - o rapaz mais alto perguntou, puxando a lanterna da cintura e acendendo na direção que vinha o som.
    - Olha, tem uma garota ali - disse o outro rapaz.
Juliana não tinha tempo pra pensar em mais nada. Deu um salto, pôs-se de pé e começou a correr sem olhar para trás.
    - Pega ela! – um dos rapazes disse, e dispararam atrás dela.
Sem olhar para trás, ela percorreu o trajeto entre o Parque Municipal e sua casa na metade do tempo que costumava levar. Por causa da chuva, sua roupa pesava em seu corpo, mas isso não fazia com que diminuísse a velocidade.
Abriu a porta e silenciosamente entrou. Seus pais não podiam nem sonhar que estivera até tão tarde na rua. Subiu correndo para o quarto, e sem pensar em mais nada, afundou o rosto no travesseiro e começou a chorar.


Na manhã seguinte só ouviu sua mãe batendo à porta:
- Juliana, telefone!
Juliana não conseguia se lembrar em qual momento de seu desespero o cansaço tomou conta do seu corpo e a fez adormecer. Cambaleando, e com uma forte enxaqueca, levantou-se e pegou o telefone que ficava ao lado do computador.
- Alô? – ela disse com uma voz fraca.
- Olá Juliana, é a Márcia, mãe do Daniel – O coração dela disparou. Logo as cenas da noite anterior passaram como um filme pela sua cabeça.
- Ah... olá D. Márcia, tudo bem? – ela sentiu um forte calafrio atravessar o seu corpo como na noite passada.
- Comigo está tudo bem, mas estou preocupada com o Daniel, ele saiu ontem a noite e ainda não voltou! Ele estava com você? Passou a noite aí?
- Não, D. Márcia, ontem nós não saímos juntos...
- Ora, por quê? Sempre que ele sai, é com você. Vocês são tão amigos...
- Ontem ele disse que tinha outro compromisso e que não ia dar para a gente sair, só isso – ela
quase não conseguiu pronunciar as ultimas palavras. A primeira lágrima começou a escorrer em seu rosto.

- Ah, então ele deve estar com o primo. Desde que voltou das férias na casa da minha irmã, meu sobrinho liga aqui querendo saber dele. Como ele está aqui na cidade, eles devem ter saído, e com aquela chuva não conseguiram voltar para casa....
Juliana estava entorpecida. Afinal, ela sabia que Daniel
não estava na casa do primo.

- Ah é, deve ser isso... – mentiu descaradamente, sentindo uma angustia inigualável.
- Obrigada querida, vou ligar para o meu sobrinho – Márcia desligou.
Juliana colocou o telefone no gancho e pôs-se a chorar ainda mais. Queria ter contado tudo para D. Márcia, mas o que aconteceria com ela? Seus pais saberiam que ela estivera até tarde na rua, teria que dar depoimento na delegacia, e até talvez reconhecer aqueles garotos que ela nem lembrava-se direito da fisionomia, pois a falta de iluminação do parque na noite anterior não a deixava ver direito. Talvez nem fosse mesmo o Daniel, fosse coisa da cabeça dela. Queria muito que D. Márcia ligasse avisando que ele estava bem, na casa do primo.
Quase uma hora depois ela decidiu parar de ficar sentada sem fazer nada a não ser lamentar-se pela noite anterior, e resolveu fazer algo. Se não podia contar para ninguém, ela mesma tomaria providências. Levantou-se, tomou banho e colocou roupas limpas. Com o restinho da água que estava em um copo na pia do banheiro, engoliu um comprimido para a dor de cabeça que ficava cada vez mais forte, e foi tomar café da manhã.
- O que a D. Márcia queria filha? - perguntou a mãe de Juliana
- Saber se eu sabia onde Daniel estava... - respondeu sem vontade.
- E você sabe?
- Não, mas só vou tomar café e sairei pra procurá-lo, tudo bem?
A mãe balançou a cabeça afirmativamente e continuou seus afazeres.


Procurar o Daniel? Ela ainda tinha aquela 'quase certeza absoluta' de que nunca mais o veria, mas precisava de provas. Nada melhor como o local do crime. Foi para o parque e entrou no bosque, em direção ao rio. Em poucos minutos ela já estava atrás da mesma árvore que há pouco se escondia. Continuou andando, e chegou onde o corpo estivera estirado. Abaixou-se e conseguiu ver sangue nas folhas secas - sangue do seu melhor amigo, dizia a si mesma em pensamento. Mas ainda não lhe dava pista alguma. Ela estava totalmente desorientada, pensado em parar de 'bancar a investigadora' porque não daria em nada. Mas só até aquele momento.
- Olá garota. - uma voz fez com que Juliana pulasse de susto.- Imaginei que fosse voltar aqui para saber se tinha apenas tido um pesadelo ou se o que viu na noite anterior era verdade.
Era o mesmo rapaz alto da noite anterior. Tinha cabelo loiro, pele queimada de sol, e era forte. Juliana ainda estava paralisada. Sem resposta, o rapaz continuou a aproximar-se e falou:
- Se você quer saber se realmente era ele, Juliana, fique sabendo que era sim. Mas não tinha intenção de que você presenciasse tudo.
- Co...como você sabe meu nome? - ela pôs-se de pé, afastando-se do rapaz.
- Eu não tinha certeza se era você ontem à noite. Mas só a melhor amiga dele voltaria aqui. E ele falou muito de você nesse verão, e pelas descrições, não tive dúvidas. - disse ele, aproximando-se mais de Juliana.
- Raphael? - o coração de Juliana
pulava em seu peito. Só podia ser o Raphael, porque no ultimo verão, ele ficou na casa do primo.

O garoto ficou imóvel.
- Então meu primo já havia deixado discípulos, caso o plano não desse certo? Que pena, porque se ele gostava tanto assim de você, iria querer poupar a sua vida, como foi bobo em contar tudo pra você.
Juliana não conseguia entender nada. Daniel estava estranho, e não tinha contado nada à ela. Raphael a pegou pelo braço
- Escute bem aqui mocinha. Eu sei quem é você, onde você mora e tudo mais. É bom você ficar de boca fechada sobre ontem e tudo que o Daniel te disse. Você não tem provas, e o melhor a fazer é ficar na sua. Quando encontrarem o corpo estará tudo certo.
- Mas... eu não estou entendendo nada, o Daniel não me disse coisa alguma.
Perdendo a paciência, Raphael empurrou Juliana, e apontou o dedo para sua cara.
- Não se faça de idiota, porque não vai dar certo. É só ficar de boca fechada que tá tudo beleza. Cuidado, porque eu vou estar te vigiando.
Ele virou as costas e foi embora.




- Alô?
Juliana tinha acabado de voltar do parque. Só havia tirado o tênis quando o telefone tocou.
- Olá, Juliana.
Sim, era ele.
- Raphael?
- Estou ligando apenas para agradecer por cumprir o acordo antes mesmo da ameaça no parque. Minha tia ligou falando que já havia ligado pra você. Então continue assim, calada, ouviu bem? Até logo. - ele desligou o telefone.
Como se sua cabeça já não estivesse a mil por hora, ela sabia que Raphael não estava brincando, mas não podia deixar assim, sem mais nem menos. Precisava descobrir tudo, principalmente o porquê que o próprio primo precisou matá-lo.
Aquele nó na garganta fazia Juliana querer chorar. Mas chorar naquele momento era perda de tempo. Tinha que pensar rápido. Pegou o telefone e discou.
- Alô? Por favor, a D. Márcia?
- É ela, quem fala?
- Juliana. Alguma novidade D. Marcia?
Dava pra ouvir na sua voz que estivera chorando.
- Nada, minha querida. Estou super preocupada. Meu marido foi à delegacia dar queixa sobre o desaparecimento, enquanto eu estou ligando para os amigos para saber de noticias. Estou com medo que o tenham seqüestrado.
- Fique tranqüila D. Marcia, nós iremos encontrá-lo. Eu tenho um trabalho da escola que ficou salvo no computador dele, será que posso ir aí buscar?
- Claro que pode minha querida. Estarei te esperando.




O plano estava feito. Se ela não sabia de nada, agora saberia. Se Daniel não contou para ela, ela descobriria. Sabia que tudo que Daniel fazia no computador ficava salvo - além do seu diário virtual. A razão de tudo isso deve estar lá, e Juliana precisava descobrir. Era tudo protegido por senha, é claro. Mas ela sabia qual era, pois era a mesma da sua, para que os dois pudessem entrar no computador um do outro, já que não tinham segredos. Quer dizer, ela pensava que não havia, mas pelo que parece havia
sim.

Entrou na casa de D. Márcia, e foi até o quarto de Daniel. Estar ali a fazia querer começar a chorar, mas não podia. Ligou o notebook e começou a verificar os arquivos. O telefone da casa tocou, D. Márcia atendeu.
- Alô? Oi querido... sem novidades por enquanto. Seu tio ainda não voltou da delegacia... não, não tem ninguém aqui, quer dizer, a Juliana está procurando um trabalho de escola, mas logo vai embora.... Você vem?... tudo bem, estarei esperando Raphael, até mais.
Raphael estava a caminho. Ela tinha que agir logo.
Desligou o notebook e colocou na mochila. Desceu as escadas correndo e viu D. Márcia sentada no sofá, chorando.
- D. Márcia, não fique assim, vai dar tudo certo! - Juliana disse, abraçando-a.
- Obrigada minha querida. Deu tudo certo, conseguiu o trabalho? - Disse D. Márcia, enquanto enxugava as lágrimas.
- Não, a impressora não está funcionando. Posso levar o notebook para minha casa? Depois eu trago de volta...
- Claro que pode! Pode ir se você quiser, eu vou ficar bem. Meu sobrinho também está preocupado com Daniel, e está vindo para cá.
'Imagino que esteja mesmo' Juliana pensou. Mas apenas agradeceu e despediu-se de D. Márcia.
Chegando em casa, Juliana ligou o notebook e começou a ler todos os arquivos que eram salvos após conversas instantâneas pela internet e o próprio diário do Daniel. Tudo que ela precisava saber estava ali, na sua frente. Todas as respostas.


---


Durante as férias, Daniel foi visitar sua família no interior. Não foi porque quis, foi porque tinha que ir. Não queria passar as férias com o primo, porque sabia que ele só iria trazer problemas. Por falta de opção, ele foi.


Toda noite, Raphael saia com seus amigos, e Daniel tinha que ir junto.
- Tudo que nos fizermos essa noite, fica entre nós, porque se você contar para alguém, tá morto, certo? - Rapha sempre o ameaçava.
Às 10hs da noite, eles encontravam o resto da 'gangue' em um beco, próximo ao centro da cidade. Lá eles traficavam droga e discutiam sobre o que fariam naquela
noite. Assaltar? Roubar um carro? Era sempre assim.

E Daniel sempre tinha que ir.
Eles faziam 'um esquenta' até quase meia-noite. Bebiam, fumavam, cheiravam, criavam coragem para roubar alguma coisa. Daniel ficava lá, só olhando. Por mais que sentisse ódio do primo, que vinha de uma família boa, acabando com a vida, sentia pena dele. Dele e de todos aqueles garotos que iam acabando com a vida assim; como acabar com um baseado. Todos filinhos de papai, que queriam sentir adrenalina e torrar o dinheiro da família.


Numa dessas noites, Daniel presenciou um assalto à uma padaria e a fuga com um carro roubado. Eram em
quatro, incluindo ele. Todos quase profissionais, e sem medo, porque estavam bem drogados. Ele era o único sóbrio. O único que tinha realmente noção do perigo.

- Corre, porra. Corre. - era sempre o que ele ouvia do primo, na hora de fugir quando a policia chegava. Só que policia de cidade pequena sempre chega no final do show.
Uma semana se passou nessa rotina. Ele já estava exausto. Sempre tinha que cobrir as merdas que o primo fazia, e falar para a tia que tinham apenas ido pra balada.
Ainda faltava uma semana.
- Primo, não leva a mal não, mas eu vou embora. Não to mais aguentando essa correria de vocês, não nasci pra isso. Vou falar que preciso voltar pra fazer uns negócios em Sampa, e pronto.
- Que isso primo, tá dando pra trás? Você não vai embora não. Você tá ligado
que minha mãe suspeita de tudo, mas com você aqui ela desencana. Se você deixar nois na mão, cê tá perdido.

- Não é deixar na mão Raphael. É que eu não quero mais. - Disse Daniel.
- Você não tem escolha cara, ou fica, ou a gente te pega depois. E fica de boca fechada, mesmo depois de voltar pra tua cidade. - Disse Raphael, pegando Daniel pela gola da blusa e pressionando-o contra a parede. Naquela noite ele decidiu que o primo merecia algo. E colocou seu plano em prática na noite seguinte.
Decidiu que entregaria a quadrilha do primo à polícia. Primeiramente anotou o nome de cada um que estava envolvido. Sim, o plano era simples e óbvio. Gravaria tudo que pudesse em áudio ou vídeo - discretamente - no celular. Depois, na sua cidade, informaria tudo à polícia.
Seu plano parecia perfeito. Estava tudo dando certo, conseguira provas suficientes. Tudo pronto. Mas caiu em uma armadilha.
Havia chegado a hora de ir embora. Seu primo havia ameaçado-o outras vezes antes dele partir. Ele abaixava a cabeça para o primo, mas por dentro sabia que a vingança estava próxima.
Minutos antes de subir no ônibus, Fernando, amigo de Raphael, chamou Daniel para conversar. Sentaram-se, e Fernando perguntou à ele
se concordava com tudo que a quadrilha fazia. O ele
ficou quieto, desconfiado. Fernando então contou à ele que queria acabar com tudo aquilo, queria sair daquela vida, mas que os amigos o ameaçavam. Contou que o viu
gravando um vídeo, e queria saber pra quê. Pensando em ajudar o garoto, contou à ele o seu plano, inocentemente, prometendo que ele estaria livre de tudo em breve. Fernando
fingiu ficar contente com a novidade e disse que guardaria em segredo. Logo após, Daniel subiu no ônibus e partiu para São Paulo.



---


Mergulhada naquele mar de informações, Juliana estava completamente boquiaberta. Depois de ler tudo que estava disponível aos seus olhos, começou a analisar as fotos, os vídeos, e todas as provas que Daniel tinha juntado. Se Daniel não conseguiu fazer com que Raphael fosse descoberto, ela teria que fazer isso. Pela alma de Daniel.


O barulho da campainha fez com que ela desse um salto da cadeira, e fechasse o notebook. Foi atender à porta.
- Quem é? - perguntou, antes de virar completamente a chave na fechadura.
- Abra essa porra agora, Juliana!
Quando ouviu a voz, hesitou, mas era um pouco tarde, a porta já estava aberta.
- Raphael? O que você está fazendo aqui?
Ele a empurrou e entrou na casa.
- Onde está a merda do computador, heim? Cadê? Você é rapidinha né? É só eu piscar e você já desaparece com tudo! Alí, achei! - Raphael falou, enquanto seguia
em direção a mesa que Juliana estivera sentada há pouco. Ele abriu o notebook, e logo apareceu uma mensagem pedindo a senha.

- Qual é a porra da senha! - Gritou, dando um soco na mesa.
Juliana tinha que pensar rápido e, aproximando-se do garoto, disse:
- Foi pra isso que eu trouxe o notebook, estou tentando descobrir a senha...
- Não me venha com essa agora, Juliana! Você sabe a senha dele, e vai apanhar se não falar agora, não duvide de mim!
Ela
afastou-se um pouco.

- E eu não duvido nem um pouco, sei muito bem do que você é capaz. Eu não sei mesmo a senha dele e estou jogando limpo contigo. E pra você ver que eu não estou mentindo, eu admito que sei de tudo, que o Daniel tinha me contado, mas eu nem tô afim de entregar você pra polícia. Sabe como é, eu sou garota, e sei que não vale a pena ficar contra você.
- Ainda bem que sabe.
- É, e se for pra ficar em algum time, prefiro ficar no mesmo que você. - disse Juliana, deixando essa no ar.
Ela
percebeu que estava conseguindo a confiança de Raphael. Eles passaram o resto da tarde tentando descobrir a senha. Mas Juliana não deixou que obtivessem sucesso.

No final do dia, ela pediu para ele ir embora, porque seus pais deviam estar chegando. Ele entendeu e estava de saída quando Juliana disse:
- Você sabia que seus tios deram queixa na delegacia como seqüestro?
- Não. É mesmo?
- É sim, o que você acha?
- Acha do quê? - Raphael parecia confuso.
- De nós tirarmos proveito disso tudo. Descolar uma graninha, você sabe...- Disse Juliana
- Você quer dizer da gente...
- É, isso mesmo, mas pense bem, não precisa me falar agora, pode falar amanhã.
- Mas como eu vou saber que você não está me passando a perna? Que não vai me entregar pra polícia?
- Já disse que se for pra jogar, eu jogo no teu time, se não, prefiro nem jogar. E, além disso, nós não conseguimos a senha, então não tenho provas contra você. - Falou, dando um beijo no rosto do garoto - A gente se fala amanhã. - E fechou a porta.
Juliana se sentiu um lixo. Mas sabia que era por uma boa causa. A causa que custou a vida do seu melhor amigo.




Raphael chegou em seu apartamento cansado. Não dormia direito faziam semanas. Acendeu mais um baseado e ficou lá pensando na proposta de Juliana. Ela era uma garota ingênua, e parecia sincera. E como a família do falecido primo tinha grana, poderiam
faturar bem. Dava pra quitar todas as dividas que o perseguiam por causa as drogas. Pensou e acho melhor entrar nessa. Tinha decidido e daria a resposta à Juliana no dia seguinte.





Juliana saiu, e foi para casa da sua amiga, Agatha, pois seu pai era delegado. Estava decidida a contar tudo para ele, já que tinha as provas concretas para incriminar Raphael. Carlos ouviu atenciosamente todo o depoimento e depois analisou cuidadosamente os vídeos. Disse que com aquelas provas, poderiam prendê-lo na hora. Mas Juliana pediu mais um dia, para poder pegá-lo no flagra e sua pena ser maior. O delegado concordou e pediu para ela
mantê-lo informado. Ela voltou para a casa com um peso a menos nas costas. Sabia que agora a justiça estava à seu favor.





No dia seguinte, sem hesitar, Raphael pegou o telefone e ligou para Juliana.
- No parque, as 2hs, pode ser? Já tenho minha resposta.
Juliana saltava de alegria do outro lado da linha. Logo informou Carlos, o qual conseguiu um microgravador e transmissor para ela, assim ele saberia a hora certa de prendê-lo no flagra. Colocou sua roupa de caminhada e saiu.
Chegando ao parque, foi até o mesmo lugar onde o homicídio foi cometido, e ficou esperando Raphael. Em poucos minutos, ele apareceu.
- Esse lugar não me faz bem - disse Juliana.
- Pelo menos é seguro pra gente conversar. Olha, eu pensei bem, e acho que dá mesmo pra conseguir uma graninha boa com esse rolo todo. Eu já até tenho um celular roubado pra gente fazer a ligação. - Disse ele, mostrando o aparelho. - Mas já sabe o que acontece se você pisar na bola.
- Ah, eu sei sim! Mas que ótimo essa do celular! E vamos pedir quanto? Não esquece que vamos dividir...
- Acho que uns dois mil reais tá bom, né?
- Dois mil pra cada um! Pede quatro mil. Tenho certeza que para o 'filhinho' eles dariam até mais. - disse ela
- É só falar em dinheiro que você até esquece a sua amizade com o meu falecido primo? Você é das minhas!
- Pára de besteira e vamos ligar logo! - disse ela, pegando o aparelho e discando o número.
- Mas quem vai falar? Minha tia vai reconhecer a minha voz. Você liga!
- Eu não, sem chance. Uma garota ligando pra pedir resgate? Eles não vão levar a sério. Muda a voz um pouco que eles não vão nem perceber.


Raphael treinou algumas vezes, e depois tomou coragem para ligar. Falou com D. Márcia, e pediu os 4 mil reais. Assim que desligou, satisfeito, pois passou o endereço do seu apartamento alugado para mandarem o dinheiro. Ele não estava mais hospedado, mas pegaria o envelope na recepção no final do dia. Isso se houvesse envelope. Ou se ele pelo menos estivesse solto no final do dia.
Logo depois de desligar o telefone, acendeu um baseado, e ofereceu para Juliana, como gesto de comemoração. Juliana recusou, disse que iria comprar um sorvete e logo voltaria.
Após apenas meio minuto, quatro policiais entraram no bosque do Parque Municipal, prenderam Raphael e apreenderam drogas e o celular roubado. Investigaram o resto da quadrilha que agia no interior e logo os prenderam também. Raphael ficou preso na delegacia até o julgamento. Logo após foi encaminhado à Penitenciária Estatual por ter acabado de completar seus 18 anos. Sua pena foi de 13 anos e 5 meses. Os outros rapazes, por serem menores, foram para a Febem.


O corpo de Daniel foi encontrado próximo à foz do rio. Seus familiares reconheceram-no e fizeram seu velório. Todo mundo estava presente - exceto Raphael, é claro -, até mesmo a irmã de D. Márcia, mãe de Raphael, que não parava de chorar um minuto. A família toda agradecia toda a coragem e boa vontade de Juliana em fazer algo pela honra de Daniel.
'O que eu fiz não é nem um décimo do que ele merecia', Juliana pensava, mas estava satisfeita consigo mesma, e sabia que onde quer que Daniel estivesse, estava orgulhoso dela nesse momento, e
que tudo que ela fizera foi por ele, por sua amizade.





No final do enterro, quando Juliana
abaixou-se para colocar uma rosa branca ao lado da lápide, encontrou o medalhão que há muitos anos fizeram, para simbolizar a amizade. Ela pegou do chão e tocou como se tivesse tocando o amigo. Tirou um pouco de terra que tampava a frase Amicability Eternus - Amizade Eterna - que estava gravada nos medalhões. Levou-o até o pescoço e pendurou junto ao seu. E lá sempre estarão. Juntos.